terça-feira, 24 de julho de 2012

24 de JULHO: Aniversário de Solano Trindade




FONTE: Adaptação de Fundação Lauro Campos

(...) “Eita negro!
- Quem foi que disse que a gente não é gente?
Quem foi esse demente, se tem olhos não vê.”

                    “Conversa”, Cantares do Meu Povo, 1961.

SOLANO TRINDADE

O poeta carregava na pele negra as motivações de sua luta.  Mas a epiderme do artista não era o único motivo. A causa era maior, era da maioria. Era a fome amontoada na maria fumaça da Leopoldina. Estava nas caras tristes e cansadas que lotavam os vagões da locomotiva logo de manhã, os rostos que, no mesmo trem, seguiam tristes e exaustos ao entardecer. Francisco Solano Trindade, que completou 100 anos em 24 de julho de 2008, cantava em seus versos a realidade dos morros, as mazelas de um país adepto do racismo cordial. As situações acima, presentes no cotidiano de milhares de brasileiros até hoje, tornam os textos do “Poeta do Povo” incontestavelmente atuais e fazem do centenário deste artista mais que uma data comemorativa. 

Solano nasceu em 24 de julho de 1908, no bairro de Bom Jesus, em Recife, Pernambuco. Filho da quituteira Emerenciana e do sapateiro Manoel Abílio, viveu em um lar católico, apesar de seu pai incorporar entidades às escondidas. “Meu avô se fazia de católico na frente dos outros, mas eu o via dentro do quarto virar no santo e falar ioruba”, afirma a folclorista, artista plástica e escritora Raquel Trindade, filha de Solano.
 

O poeta não tinha religião nenhuma até conhecer sua primeira esposa, Margarida, que freqüentava a Igreja Presbiteriana. A paixão pela mulher com nome de flor levou o artista ao caminho religioso. “Uma negra me levou a Deus”, cantou em uma de suas poesias. Solano chegou ao cargo de diácono na Presbiteriana, mas abdicou da vida cristã ao perceber que a instituição religiosa não se preocupava com as dificuldades enfrentadas pelos negros, nem com os problemas sociais. “Baseado em um versículo da bíblia que diz ‘Se tu não amas a seu irmão a quem vês como podes amar a Deus a quem não vês? ’ ele saiu da igreja”, explica a filha do artista.

De cristão presbiteriano o poeta passa a militante comunista assim que chega ao Rio de Janeiro, em meados da década de 40. Após filiar-se ao partido de Luiz Carlos Prestes, Solano Trindade fez em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, a célula Tiradentes na qual se reuniam operários e camponeses. “Papai tinha um caixote de cebola que ele fazia de estante. Lá estavam juntos a Bíblia e O Capital, de Karl Marx”, relembra Raquel.

Por sua poesia carregada de significado e em virtude de seu engajamento político, Solano foi preso duas vezes pela ditadura militar do Estado Novo. Na primeira oportunidade, estava em um comício e foi solto logo. Entretanto, na segunda vez, levaram-no à cadeia os versos da poesia Tem Gente Com Fome, publicada no livro Poema de Uma Vida Simples, de 1944. O poeta ficou desaparecido por alguns dias. “Os policiais chegaram revirando tudo, dizendo que ele guardava armas em casa. A polícia o levou e o manteve incomunicável, minha mãe de prisão em prisão procurando por ele, até que o encontramos em um presídio na Rua da Relação (RJ)”.

O Partido Comunista também não supriu as necessidades igualitárias de Solano Trindade. Segundo Raquel, para os correligionários do poeta o problema do negro era só econômico, não racial. Descontente, o artista se desliga das atividades políticas, mas já no fim da vida. “Apesar de tudo, papai morreu socialista.”

O Poeta do Povo

A preocupação de Solano era o povo. Grande parte de suas obras são voltadas à valorização da cultura negra e à luta contra a desigualdade social e racial no Brasil. Mas as mulheres também tiveram espaço entre os versos do poeta, como pode ser observado no texto Linda Negra, do livro Cantares do Meu Povo, de 1961. “Naquela Noite/ ficou o teu olhar branco/ vagando no escuro/ entre ternura e medo/ teus olhos grandes/ dançavam como loucos/ na música do silêncio”. “As grandes musas dele eram o povo e as mulheres”, afirma Raquel. Solano casou-se três vezes e teve seis filhos, todos com sua primeira mulher.

Além de poeta, Solano Trindade era artista plástico, teatrólogo, ator e com a primeira de suas três esposas, Margarida da Trindade, aprendeu o ofício de folclorista. Foi na companhia de Margarida, e do etnólogo Edson Carneiro que, em 1950, ele funda o Teatro Popular Brasileiro – TPB. O casal Trindade ainda ajudou Aroldo Costa a montar o Teatro Folclórico, rebatizado posteriormente como Brasiliana.

Contrariando o que dizem muitos sítios na internet, o poeta não participou da fundação do Teatro Experimental do Negro. Segundo Raquel Trindade, o TEN foi criado por Abdias do Nascimento. “O Abdias tinha os parceiros dele, mas nenhum era papai”, pontua.     

Na mídia pouco se houve falar de Solano Trindade. Não era, e ainda não é, conveniente tocar nas feridas não cicatrizadas da história. “Para a mídia é muito complicado, amedronta falar sobre Solano Trindade”, explica a filha do poeta.
 

Tem gente que continua com fome. O trem sujo segue carregando as caras tristes sem destino que esperam a próxima parada. E os versos do Poeta do Povo permanecem atuais, fazendo eco nos becos.

Solano das Artes em Embu

Em 1961, recém-chegados da Europa, Solano e um grupo com mais de trinta bailarinos estavam em São Paulo para a apresentação de um espetáculo, quando receberam do escultor Claudionor Assis Dias, o Assis do Embu, um convite para visitar a cidade paulistana. Assis já havia falado sobre Solano Trindade a outro escultor, Tadakio Sakai, ao qual propôs mais contato com o poeta para que Sakai levasse às suas obras a temática negra. A “caravana” na qual também estava a família de Solano, aceitou a proposta de Assis, que fez as vezes de anfitrião hospedando o grupo em sua casa. “Todo mundo dormia amontoado na sala”, conta Raquel.
 

Além de Sakai e Assis, já estavam em Embu artistas como a pintora Azteca e o também escultor Cássio M’Boy. Com a chegada de Solano, montou-se um movimento artístico coletivo no “Barraco do Assis”. “Eles começaram a fazer festas que duravam três dias, faziam espetáculos na rua, exposições na rua, tudo isso em 1961”, relembra a folclorista. Essas manifestações ajudaram a dar origem ao nome Embu das Artes, que fez do município paulistano um lugar conhecido internacionalmente.

Em Embu, Solano virou nome de uma rua no centro expandido da cidade. Neste mesmo município, sua filha Raquel criou o Teatro Popular Solano Trindade e, juntamente com ela, netos e bisnetos do artista cuidam para que a memória do Poeta do Povo permaneça viva. No Recife, cidade natal do escritor, uma estátua de Solano em tamanho natural, feita pelo escultor Demétrio, encontra-se no Pátio de São Pedro.  No Rio de Janeiro uma biblioteca leva seu nome (ver Biblioteca Comunitária Solano Trindade) e no Museu Afro Brasil, dentro do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, uma foto (“feia”, na opinião de Raquel) e um quadro relembram o artista. Seus poemas transpuseram fronteiras, fazendo com que ele conquistasse admiradores em países como Tchecoslováquia e Polônia.
 

Solano faleceu em 1974, aos 66 anos, no Rio de Janeiro, para onde voltou já doente. Foi sepultado no Cemitério da Pechincha, em Jacarepaguá, ao contrário do que dizem relatos recorrentes de que o poeta teria sido enterrado como indigente. “Minha mãe e minha irmã fizeram para ele um enterro decente”, afirma Raquel Trindade.
 

Tem Gente com Fome

Solano Trindade

Trem sujo da Leopoldina
Correndo, correndo, parece dizer
Tem gente com fome, tem gente com fome
Tem gente com fome, tem gente com fome
Tem gente com fome, tem gente com fome
Tem gente com fome
Estação de Caxias
De novo a correr
De novo a dizer
Tem gente com fome, tem gente com fome
Tem gente com fome, tem gente com fome
Tem gente com fome, tem gente com fome
Tem gente com fome
Tantas caras tristes
Querendo chegar em algum destino
Em algum lugar
Sai das estações
Quando vai parando começa a dizer
Se tem gente com fome, dá de comer
Se tem gente com fome, dá de comer
Se tem gente com fome, dá de comer
Se tem gente com fome, dá de comer
Mas o trem irá todo autoritário
Manda o trem parar
- Shhhhiiiii!


Sou Negro

meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.
Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...



Solano Trindade nasceu no bairro de São José (Recife-PE), em 24 de julho de 1908. Filho do sapateiro Manuel Abílio e da quituteira Emerenciana, mais conhecida como Merença. Ele foi pintor, teatrólogo, folclorista, ator e, sobretudo, poeta da resistência negra. Em 1936, fundou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-brasileiro.

 LEITURA RECOMENDADA




Livro - Poemas Antológicos
A coleção "Obras Antológicas" reúne o melhor da produção poética do pernambucano Francisco Solano Trindade, grande defensor e divulgador da cultura negra no Brasil. Poeta, pintor, ator, jornalista, teatrólogo e ativista cultural, Solano construiu sua trajetória falando de amor, liberdade e justiça, conceitos que nortearam sempre sua vida e sua obra. Poemas Antológicos é, portanto, a grande contribuição que o "poeta negro" legou a posteridade.

Integram a coletânea poemas como "Tem gente com fome", musicado pelo grupo Secos e Molhados, que foi proibido pela ditadura militar, e "Mulher barriguda", gravado pelo mesmo grupo. Outros poemas como "Canto à mulher negra" e "Uma negra me levou a Deus" evocam o amor sensual, despido de preconceitos, reafirmando o talento de Solano também como poeta lírico. Há, ainda, "Barca Suzana", "Maracatu da boneca de cera", "Xangô" e "Natal na minha terra", entre outros, que permitem entrever o divulgador apaixonado da cultura e da tradição populares.

A leitura de Poemas Antológicos de Solano Trindade é um convite à reflexão. O autor leva-nos a repensar conceitos como democracia racial e sincretismo religioso. A discussão em torno da adoção de cotas raciais nas universidades é outro fator que mostra a atualidade de sua poesia, sempre aberta ao debate, declaradamente reivindicatória, mas nunca rancorosa. Com Solano Trindade, "O canto de Palmares", em pleno século XXI, mostra-se atual nos vários movimentos que o grande porta-voz da negritude brasileira ajudou a consolidar.

25 de JULHO: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha


Todas as manhãs
acoito sonhos
e acalento entre a unha
e a carne
uma agudíssima dor.

Todas as manhãs tenho
os punhos
sangrando e dormentes
tal é a minha lida
cavando, cavando
torrões de terra,
até lá, onde os homens
enterram
a esperança roubada
de outros homens.

Todas as manhãs junto
ao nascente dia
ouço a minha voz-
banzo,
âncora dos navios de
nossa memória.
E acredito, acredito
sim
que os nossos sonhos
protegidos
pelos lençóis da noite
ao se abrirrem um a um
no varal de um novo
tempo
escorrem as nossas
lágrimas
fertilizando toda a terra
onde negras sementes
resistem
reamanhecendo
esperanças em nós.
             
               Conceição Evaristo


Por Joanna Alves
FONTE: SEPPIR

Criado em 25 de julho de 1992 na República Dominicana, o Dia Internacional da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha marca, internacionalmente, a luta e a resistência da mulher negra em toda a América do Sul e Caribe. Em 2011, esta comemoração tem seus objetivos reforçados com as celebrações do Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Há 19 anos, a história comprova que a homenagem concedida às mulheres negras é uma forma grandiosa de retribuir sua importância para o desenvolvimento sócio-cultural dos países latinos.
As celebrações desta data buscam denunciar o racismo, a discriminação e as desigualdades sociais, proporcionando a este gênero melhor qualidade de vida. Além disso, as organizações de mulheres negras se fortalecem com esta prova de respeito e admiração.
A trajetória da mulher negra é marcada por inúmeros desafios, que englobam a discriminação por gênero e por raça. Tendo de superar desafios cotidianos devido à esse duplo preconceito, as mulheres negras, sejam elas famosas ou anônimas, são exemplos para todos os afro-brasileiros.
Conheça abaixo algumas dessas mulheres que se destacaram na luta pela garantia e ampliação dos direitos das afro-latinas:

TIA CIATA
Nascida na Bahia em 1854, Hilária Batista de Almeida (mais conhecida como Tia Ciata) foi levada para o Rio de Janeiro aos 22 anos. Iniciada nas tradições do candomblé ainda na capital baiana, Ciata foi uma das tias baianas no início do século 20, mãe de santo, doceira e esposa dedicada de João Batista, com quem teve seus 14 filhos.
Por causa das perseguições sofridas pela sociedade e pela polícia, Tia Ciata abrigou em sua casa várias manifestações culturais e religiosas oriundas da África, na Praça Onze – popularmente chamada de Pequena África, recanto do negro baiano no Rio de Janeiro.
Rodas de capoeira, batuques do candomblé, malandros do chorinho reunidos na casa da doceira. Ao que tudo indica, o primeiro samba brasileiro foi gravado por Donga neste pedacinho africano no Brasil.

CAROLINA DE JESUS
Nasceu em Sacramento, Minas Gerais, mas foi em São Paulo que suas palavras de protesto e denúncia alcançaram a sociedade dominante. Carolina Maria de Jesus coletava papelão pelas ruas da capital paulista e, ao chegar em casa, transcrevia as aflições vivenciadas durante o dia em forma de diário pessoal.
Mãe de três filhos, Carolina foi descoberta como escritora por um jornalista que a auxiliou a publicar seu primeiro livro, “Quarto de despejo”, que descreve as aflições de pessoas que, como ela, viviam à margem da sociedade, submetidos à crueldade da elite.
Depois de ter seu trabalho reconhecido pelo público, Carolina de Jesus agia com a mesma simplicidade de antes, o que não foi bem visto pela sociedade. Em alguns anos, a jovem escritora negra retornou à antiga condição social, desta vez, como representante da luta pela emancipação feminina.
Quando morreu aos 62 anos, Carolina estava em situação de miséria, a mesma que a marcou desde o início de sua trajetória. Por isso, é considerada ícone da ascensão social das classes menos favorecidas.

ANTONIETA DE BARROS
Jornalista, escritora, educadora e parlamentar, a jovem catarinense foi a primeira mulher negra a assumir uma vaga na Assembleia Legislativa de Santa Catarina em um período que o gênero não tinha espaço político e social com representação.
Anualmente, a Assembleia Legislativa do estado premia mulheres que defendem os direitos da mulher catarinense, com a Medalha Antonieta de Barros. Além desta homenagem, Antonieta também teve seu nome dado a um túnel da Via Expressa Sul, em Florianópolis.
Aos 51 anos, Antonieta deixou um legado de conquistas histórias para a sociedade negra brasileira.