quinta-feira, 19 de abril de 2012

Entrevista: Índia We’e’ena Miguel

Neste dia do índio em que reforçamos a importãncia de ter nas escolas a imagens de índios conteporâneos, o msn mulher, entrevistou a índia, de etnia Tikuna We’e’ena Miguel, protagonista na luta pelos direitos das mulheres indígenas.

Índia We’e’ena Miguel: luta pelos direitos das mulheres indígenas

Ela tem 24 anos, estuda gestão financeira, é artista plástica e presidente nacional das mulheres indígenas pela LIBRA. Neste Dia do Índio, conheça a história dessa guerreira que luta pelo direito das mulheres indígenas do Brasil.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Por KARINA COSTA

O Tempo de Mulher é um espaço democrático que busca conhecer e discutir os dilemas, desejos e necessidades da mulher brasileira. Com a mulher indígena não seria diferente. Nesse 19 de abril, em que comemoramos o Dia do Índio, entrevistamos We’e’ena Miguel. Da Aldeia Tikuna de Umariaçu, município de Tabatinga no estado do Amazonas, de onde saiu há 12 anos, essa representante das mulheres indígenas cursou artes plásticas e estuda atualmente gestão financeira, tudo, segundo ela, em prol de seu povo.
Com o reconhecimento de seu trabalho artístico – ela se aprimorou no método acrílico sobre tela -, recebeu vários prêmios e convites para exposição de suas obras. A índia tikuna aproveitou o sucesso e a visibilidade, e decidiu dedicar-se à inclusão social dos povos indígenas por meio da difusão da arte. Não à toa We’e’ena foi eleita a representante indígena da LIBRA – Liga das Mulheres Eleitoras do Brasil.
Hoje, com 24 anos, reside em São Paulo e é casada com o violonista Maestro Robson Miguel, também conhecido como Cacique Cafuzo Tukumbó Dyeguaká. Eles residem em um castelo (isso mesmo!) no município de Ribeirão Pires, construído pelo Cacique, com o objetivo de contar a história de seus ancentrais índios e negros.
Nas próximas páginas, conheça um pouco da história da Índia Tikuna e seus objetivos como presidente Nacional das Mulheres Indígenas pela LIBRA.
  Foto: Divulgação

- Fale um pouco de sua origem e de sua transferência da aldeia para a cidade:
We’e’ena: Eu sou do povo Tikuna, Alto Solimões, interior do Estado do Amazonas. Vivem lá 35 mil Tikunas. Para chegar até minha aldeia leva-se 8 dias de barco – de Manaus até Tabatinga, que já é fronteira de Peru com a Colômbia. Eu me transferi da aldeia para a cidade aos 12 anos de idade para aprender a ler e a escrever. Me mudei com meus pais para Manaus, onde me formei no Ensino Médio. Nesse meio tempo, participei de um concurso e fui selecionada entre 45 alunos para receber uma bolsa de estudos para um curso de Artes Plásticas. Estudei durante quatro anos, me aperfeiçoei na técnica acrílica sobre tela e, ao mesmo tempo, nunca deixei de trabalhar com o movimento indígena e nem perdi a tradição de minha cultura e língua. Aliás, minha mãe nunca deixou que perdessemos nossas raízes, apesar de residir na cidade. Mas sempre tivemos essa ligação entre aldeia e cidade versus cidade e aldeia, estamos sempre indo e voltando.

- E como foi sua transferência para São Paulo? Como ficou conhecida pela luta em prol dos povos indígenas?
We’e’ena: Quando completei 18 anos, me transferi para São Paulo, onde terminei meus estudos e entrei para a faculdade, faço hoje o curso de Gestão Financeira. Não sabia que tinha tantos outros indígenas que moravam em São Paulo e lideravam movimentos, assim como era comum em Manaus. Fui me integrando aos índios Guarani, Chavante e outras etnias, e nossa união ocasionou o fortalecimento do movimento pelo nosso povo. Então em 2010, fui convidada a conceder uma entrevista em uma TV local para falar da mulher indígena. Uma das representantes da LIBRA - Liga das Mulheres Eleitoras do Brasil -, me conheceu nessa gravação e me fez o convite para integrar a instituição a fim de representar as mulheres brasileiras indígenas.
We'e'na e suas obras de arte. Foto: Divulgação

- E o que exatamente é a LIBRA e qual seu papel nessa instituição?
We’e’ena: A Liga das Mulheres Eleitoras do Brasil nasceu na Alemanha no século 20, e se extendeu entre Europa e EUA, quando no pós-guerra as mulheres se uniram para conseguir melhores condições de trabalho e direitos também de votar. A data da fundação do movimento foi acertada em 1975, onde também se deu o Dia Internacional da Mulher. No Brasil, a LIBRA existe há mais de 60 anos.
Aqui a instituição já tinha sua representante branca, não indígena, e também a afro, exceto uma mulher que pudesse falar e representar as indígenas. Depois que me viram dando entrevista para a TV, entraram em contato comigo e fizeram o convite a fim de fortalecer o movimento. Depois de três meses de conversa eu aceitei, pois não é fácil você representar uma nação indígena. Pois não sou somente porta voz das mulheres, mas de todo o povo indígena que ainda está lutando para ser reconhecido em sua própria terra.

- E desde quando você é representante pela LIBRA?
We’e’ena: Estou há dois anos nesse cargo. Faço palestras, falo de nosso povo para as indígenas e não indígenas. Realizo fóruns, debates em vários eventos pelo país a fim de conquistar e ocupar de fato nosso espaço, direitos sociais, artísticos, políticos e dar poder e visibilidade para as mulheres indígenas. Nós não temos visibilidade ainda, agora que estamos conseguindo entrando no Congresso Nacional, reivindicando leis. Aliás, reconhecemos que há muitos projetos escritos em nosso favor, e eu procuro entender as propostas para levar ao conhecimento das mulheres, já que sou representante das indígenas em nível nacional.
We'e'na com Ana Paula Padrão em premiação em São Paulo. Foto: Divulgação

- E como representante pela LIBRA, o que visa para seu povo? Qual tipo de reconhecimento almeja?
We’e’ena: Quero que a mulher indígena tenha direito a voz entre as aldeias e fora das aldeias. Que ela possa entra no mercado de trabalho, competir de forma igualitária e ter os mesmo direitos que o branco ou o negro. Não queremos ser diminuídos e discriminados porque as pessoas não conhecem a cultura indígena, mas reconhecidos, queremos ocupar os espaços sociais, administrativos em uma empresa, por exemplo, ter visibilidade artística, política. O que as mulheres indígenas querem é poder se unir e ter o mesmo direito de todas as pessoas.
Sou artista plástica e cantora, luto pelo meu espaço e então gostaria que todas as mulheres brasileiras indígenas tivessem também a oportunidade de mostrar seus trabalhos. Não vejo democracia quanto a isso. Quando falamos de Direitos Humanos temos que incluir o branco, o negro e o índio. O índio também vota, então tem o direito e o poder de conquistar o espaço de forma igualitária.

- Você saiu da aldeia aos 12, aos 18 já estava em São Paulo e hoje é representante das indígenas pela LIBRA. Qual sua ligação com as aldeias, para você representá-las, como busca esse vínculo? 
We’e’ena: Viajo por diversas partes do Brasil. Dias atrás, por exemplo, aproveitei que fui participar de um congresso na Bahia e visitei as indígenas Pataxó de lá. E agora com a tecnologia, fica mais fácil. É tudo muito novo, mas as mulheres estão interessadas nessa evolução, tentamos nos integrar pelas redes e criar uma maneira de não somente eu representá-las, mas que cada etnia possa ter sua representante. Eu visito as aldeias e tenho pedido que elejam uma mulher para que os represente e com quem eu possa ficar em contato para que me passe o que vem acontecendo, suas necessidades. Com esse conhecimento, tenho condição de levar propostas para nossos representantes no Congresso Nacional, por exemplo.
Em 2011, por exemplo, fizemos um fórum em São Paulo e conseguimos reunir 200 mulheres indígenas de todo o Brasil, pelo menos uma mulher de cada etnia.
Foto: Divulgação

- E como líder de um movimento a favor das indígenas, como avalia o processo de reconhecimento do povo indígena fora das aldeias?
We’e’ena: Hoje muitos homens saem da aldeia para a cidade não para competir e sim para serem reconhecidos. Temos representantes indígenas que são políticos como vereador, deputado. Agora é a mulher indígena que está saindo atrás de seus direitos, que vem buscar conhecimento. Isso está acontecendo lentamente porque é tudo muito novo, é muito difícil sair de uma cultura e entrar em outra diferente, até você se adaptar, ter o conhecimento do não indígena, tem um pouco mesmo de conflito. Mas temos essa capacidade de aprender e estar junto com os não indígenas.
É um choque para os índios sair de uma cultura totalmente diferente. Você está isolado com outros costumes, outras línguas e vai para uma cidade de pedra, sendo que morava na natureza, onde só tinha mato. Eu mesma, até os 12 anos, não falava português.
Um dos resultados dessa luta é que muitas crianças das escolas das aldeias estão aprendendo o português ao invés de apenas serem ensinadas a língua de seu povo. Sem contar a tecnologia que agora está entrando nas comunidades como internet, rádio e TV, que ajudam a ampliar o conhecimento, a visão de conquistar novos espaços, e então as crianças estão tendo mais facilidade de acompanhar e de se preparar.

- E o que está preparando e espera acontecer nas lutas que tem pela frente?
We’e’ena: Estamos preparando para 2013 o primeiro congresso das mulheres brasileiras indígenas, onde vamos convidar diferentes autoridades entre nossos povos e não indígenas também para falarmos sobre direitos e deveres. Esse ano vai ser de pequenos debates preparatórios para a preparação do congresso. Por isso, tenho viajado muito pelo país e fazendo o convite para as diferentes aldeias.

Fonte: Msn Mulher


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